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"Como se eu estivesse enjoada,

  eu comia e vomitava..."

Danielle Souza Marcatto, 27 anos, veterinária 

Sempre fui apaixonada por dança. Na infância, entrei para o mundo do balé com 6 anos e durante as aulas comecei a me comparar não apenas com as outras crianças, mas também com as minhas professoras. Quando estava crescendo, passei a conviver com alguns comentários maldosos na escola. Meu apelido era tanajura porque eu tinha a bunda grande, coxa larga e quadril fino; nunca me aceitei dessa forma porque as bailarinas eram magras, tinham bundinha pequena e perna fina, então o processo de me comparar com as outras pessoas começou a me fazer ficar doente.  

Quando entrei na fase mais esperada por toda bailarina, a troca pelas sapatilhas de ponta, tive que encarar a cobrança de ser magra. As meninas precisam ser mais leves para fazer alguns movimentos, e por minha genética eu nunca ia conseguir; então eu fui perdendo o brilho pelo balé e acabou se tornando uma coisa automática. Mesmo não tendo o entusiasmo de antes pela arte, não parei de frequentar as aulas, já que minha mãe continuava pagando a atividade e também porque enxergava na dança um refúgio para os julgamentos que escutava sobre o meu corpo.

Fotos: Danielle Marcatto (Arquivo pessoal)

Anos depois, precisei deixar a dança de lado para me concentrar nos estudos e começar a pensar em qual profissão iria seguir. Ao terminar o Ensino Médio e entrar para a faculdade de veterinária, me deparei com uma rotina totalmente diferente da qual estava acostumada. Foi quando percebi que havia engordado 15 quilos, e assim, um incômodo ainda maior surgiu dentro de mim.

Para tentar mudar a situação, comecei a buscar maneiras de compensar o ganho de peso e a bulimia acabou tomando forma em minha vida. Eu não enxergava o vômito como uma doença e, com o tempo, a prática que antes demandava mais esforço de mim, começou a se tornar algo normal no meu dia a dia. Além dos vômitos, os remédios para emagrecer também estavam presentes; todos eles eram prescritos por médicos e me ajudaram a chegar no peso que eu tinha sonhado em toda a minha vida, mas mesmo assim eu não estava feliz. Na época eu não conseguia enxergar, mas hoje sei que isso é uma loucura.

Apesar de sempre ter sido fisicamente ativa por não gostar de ficar parada, nesse período, eu não pensava em fazer exercícios para manter a minha saúde. Mesmo percebendo que não estavam solucionando o meu problema, eles ainda eram tentativas de não engordar com cada refeição que eu fazia. 

 

A comida era realmente um monstro. Durante a minha residência, eu almoçava no restaurante da faculdade, então eu tinha que comer o que serviam no dia; o que acontecia era que eu achava que comer aquilo não estava certo, para mim eu devia comer apenas salada e alguma proteína. Como eu acabava tendo que sair da minha rotina mais restritiva, o meu ciclo de vômitos não tinha fim.   

  

Depois de quase 20 anos sem reconhecer que minha cobrança com o meu corpo não era saudável, só consegui enxergar que havia algo errado quando fui morar sozinha, depois da faculdade, porque eu comecei a compensar muito e ter uma frequência maior de compulsões. Antes de sair da casa dos meus pais, minha mãe me protegia; ela via que eu gerava uma cobrança quanto ao meu número de calça, por exemplo, mas ela me lembrava da minha beleza e falava que eu não precisava ter esse tipo de preocupação. 

 

Com isso, eu só fui perceber quando eu, de fato, precisei fazer meu alimento, quando precisei sair da cama sozinha, quando dependia só de mim. Quando a situação ficou mais clara, pedi ajuda para os meus pais; eu disse que estava doente e que também estava tendo crises de ansiedade. Foi aí que minha família procurou médicos experientes na área para que eu pudesse dar início ao meu tratamento.

 

No começo, eu frequentava uma nutricionista especializada em transtorno alimentar duas vezes por semana e, com o tempo, comecei a perder minhas crenças, consegui entender como os alimentos atuam, de fato, no meu corpo e ainda aprendi a comer de uma maneira saudável e sem culpa. Eu também tinha acompanhamento com uma psicóloga para trabalhar os sentimentos que cada alimento me fazia sentir, situações que me deixavam nervosa ou frustrada e até a insegurança que eu tinha em relação aos homens, por conta dos episódios de sexualização que vivi ao longo da minha vida.

Com essas duas profissionais da saúde, consegui parar os vômitos em 2 meses, mas a luta não havia terminado. Quando estava no final da minha residência, em dezembro de 2020, acabei tendo compulsões alimentares por me sentir muito ansiosa; eu não voltei a ter bulimia, não vomitava, mas acabava compensando no exercício físico. Foi aí que uma psiquiatra – também experiente em tratar transtornos alimentares – entrou para o time de médicos que me acompanhavam, mas agora com o objetivo de trabalhar a minha ansiedade.  

Hoje, eu tenho uma relação de altos e baixos com o meu próprio corpo, mas já o enxergo com mais carinho e consigo reconhecer quando alguns pensamentos e situações podem gerar gatilho e interromper o meu tratamento.

Leia 'Rede de apoio na luta contra os transtornos alimentares' 

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